Labels

Páginas

domingo, 19 de junho de 2016

#CantinhodaCultura

Literatura de Cordel
(Antes e Depois)

http://www.cervantesvirtual.com
Ninguém sabe com certeza quem escreveu o primeiro folheto de cordel brasileiro, mas há versos esporádicos em folhetos da Guerra de Canudos de 1896 (Calasans). Pouco depois o poeta paraibano Silvino Pirauá Lima publicou seus versos em forma de cordel. Mas, o primeiro grande nome do cordel brasileiro sendo ainda hoje o mais conhecido, é Leandro Gomes de Barros. Gomes de Barros escreveu e publicou suas obras na região de Recife, capital de Pernambuco, desde fins do século XIX até a sua morte em 1918. (Vale a pena notar que Leandro Gomes de Barros era do estado da Paraíba, de onde vinha a maior parte das grandes figuras da poesia folclórica oral, isto é, dos cantadores de feira do Nordeste). Parece que ele escreveu e publicou quase mil histórias durante sua carreira de mais de vinte anos de poeta popular. Várias destas se consideram «clássicos» do gênero (Cascudo, Cinco Livros). L. G. de Barros ficou conhecido especialmente pelo sabor jocoso e satírico de seus versos sobre a realidade política, econômica e social brasileira. Ao mesmo tempo ele era criador de maravilhosos romances tradicionais, quer dizer, poemas compridos de temática tradicional européia-brasileira.
Logo depois do fim da carreira de Leandro Gomes de Barros na década de 20, com a fama e visibilidade do cordel sempre em estado de crescimento, a «carreira» de poeta e editor de cordel se «profissionalizou». Um dos maiores «empresários» do cordel foi o paraibano João Martins de Ataíde. Ele publicou em Recife centenas de títulos que foram vendidos em todo o Nordeste e Norte do Brasil. Ele foi seguido por outros poetas-editores como José Bernardo da Silva de Juazeiro (Ceará), Manoel Camilo dos Santos de Guarabira (Paraíba), João José da Silva de Recife, Manoel D'Almeida Filho de Aracaju (Sergipe), Cuíca de Santo Amaro e Rodolfo Coelho Cavalcante de Salvador da Bahia, e muitos outros. Assim, a poesia de cordel se compunha e publicava em todos os estados do Nordeste brasileiro.
Os anos 70 e 80 trouxeram novas mudanças para o país e também para os autores, editores e público do cordel. Os inimigos do povo -a inflação monetária, a resultante carestia de vida, em fim, a crise econômica do país- afetaram seriamente esses humildes senhores que escreviam e publicavam seus versos, também humildes para serem vendidos a um público modesto. As vendas do cordel caíram de maneira assustadora. O povo já no tinha recursos para comprar o folheto ou romance de cordel, cada vez mais caro, e o poeta humilde já no tinha recursos para imprimir suas histórias em verso. Além disso, a feira semanal nos povoados e pequenas cidades do interior do Nordeste (o lugar onde o poeta mais vendia seus versos) se acabava. Mas, houve também outros fatores: o país se modernizava, as estradas e os meios de transporte se melhoravam de maneira surpreendente, o rádio de pilha chegava aos rincões mais longínquos, e, de repente, o televisor colorido também! Em fim, o Brasil, e especialmente a parte mais pobre do país (a maior região do público de cordel), enfrentava a vida difícil do século XX. De um modo geral, os resultados não foram felizes para o cordel. O público tradicional sumiu pouco a pouco (por vários motivos, tanto econômicos como sociais), os mestres do momento áureo do cordel envelheceram ou morreram, outros por necessidade, foram obrigados a procurar outros meios de ganhar o pão de cada dia. Como conseqüência, diminuiu rapidamente. Simultaneamente, um novo público surgiu nos anos 60, e principalmente na década de 70: os intelectuais, artistas de vários meios de expressão, estudantes de classe média, e turistas com uma curiosidade pelo «folclore brasileiro» (Curran, Cordel, Distribution). E com o novo público, ainda de classe humilde, principalmente de gente modesta, imigrada a São Paulo e ao Rio -um público já não homogêneo mas pluralista- o cordel, como é de esperar, tinha que mudar também. Passou a ser muito popular na feira nordestina da zona norte do Rio de Janeiro! Um público significante também residia em São Paulo. A «Meca» do cordel tradicional nordestino, a cidade do Recife, ficou atrás numa quase total falta de movimento poético popular. Enquanto ocorria isso, o público tradicional nordestino, isto é, os compradores de cordel, quase desaparecia. Ainda pior, o cordel que chegara nos 70 e princípios de 80 a ser algo de moda para a classe média curiosa do Centro-Sul, já no atraía como antes. Chegamos, pois, à situação atual. O cordel continua esporadicamente no Nordeste, mas, os grandes mestres dos anos 60 morreram: José Bernardo da Silva, Manoel Camilo dos Santos, Cuíca de Santo Amaro e Rodolfo Coelho Cavalcante, José Soares e outros não menos importantes. Há, certamente, uns poucos de renome que continuam, especialmente no sul na feira nordestina do Rio. Existe ainda um público de raízes nordestinas no Rio e em São Paulo; porém, estes fazem parte dos novos leitores pouco relacionados à tradição antiga do cordel nordestino. Existe um interesse significante na xilogravura popular que o pessoal de cordel usa para ilustrar a capa dos folhetos. E, talvez o mais interessante de tudo, o povo ainda aprecia os versos de cordel, tanto as estórias tradicionais quanto a narração de um grande evento político como a odisséia de Tancredo Neves e a volta da Democracia ao Brasil em 1985 junto à trágica morte de Tancredo no mesmo ano (Curran, Brazilian Democratic Dream). Mas, é a totalidade de quase cem anos de existência, anos de exuberância, de vitalidade, que fazem do cordel um importante aspecto da vida cultural popular do Brasil.
Qual é, então, o valor do cordel? Se consultados, os poetas mesmos dizem que expressa a alma do povo, que diverte, que informa, que ensina ao seu público. Uma vez o escritor Orígenes Lessa, aficionado do cordel e um dos maiores patrocinadores dos pobres poetas, disse que estes versos valiam por sua ingenuidade, seu humor, suas imagens, linguagem, narração clássica, e, vitalidade literária (1955). Ao considerarmos os vinte e cinco anos de convivência com os poetas e a poesia de cordel, concordamos com o mestre Orígenes, e, mantemos ainda hoje, como no passado, que o cordel serve (embora com um público reduzido e diferente de hoje em dia) muitos motivos. Em sua totalidade a poesia de cordel é uma das literaturas populares de mais sucesso e vitalidade no mundo. Contém um corpus significante da poesia narrativa tradicional vinda de Portugal (e Espanha), documenta como nenhum outro fenômeno as crenças, gostos e preocupações de muitos brasileiros, diverte ao mesmo povo, e, finalmente, informa e interpreta os grandes acontecimentos da vida local, nacional e até internacional.
E há mais: o cordel serviu e ainda serve de fonte de inspiração para a «outra» cultura brasileira, ou seja, a erudita ou culta do Brasil sofisticado. Escritores (de todos os gêneros, mas especialmente do romance e do drama), pintores, cineastas e músicos beberam da fonte destes senhores humildes que acreditam haver nascidos com «o dom do verso», a lista é comprida e impressionante. 
 A literatura de cordel existe há cem anos para seu público original, o povo do Nordeste do Brasil. Os artistas sofistica dos apreciam e recriam o cordel nas suas obras para outras classes sociais para o povo urbano brasileiro. O cordel documenta cem anos de realidade brasileira. Mas hoje em dia o cordel não é o que era. Os tempos mudaram. A produção ativa caiu muito e muitos dos poetas desapareceram. Mas o cordel não pode ser esquecido, porque já se tornou uma parte íntegra da herança popular brasileira e do patrimônio nacional. Os bons acervos ficam e na sua totalidade documentam um século de vida e literatura popular brasileira.
 Evelyn
Equipe Blog do Maurício

0 comentários:

Postar um comentário